A disputa judicial entre a Prefeitura de Campo Grande e o Consórcio Guaicurus, responsável pela operação do transporte coletivo urbano, ganhou um novo capítulo. O Instituto Brasileiro de Estudos Científicos (IBEC) rejeitou a contestação apresentada pelo Município e manteve o laudo pericial que aponta um desequilíbrio econômico-financeiro na concessão, elevando o valor da indenização estimada para R$ 830 milhões até dezembro de 2024. A manifestação foi protocolada no processo que tramita na 1ª Vara de Fazenda Pública e Registros Públicos de Campo Grande, sob responsabilidade do juiz Marcel Henry Batista de Arruda.
Atualização dos valores
O laudo inicial calculava um déficit de R$ 377 milhões em valores nominais. Contudo, atendendo a pedidos complementares e aplicando os parâmetros da Emenda Constitucional 113/2021, os valores foram atualizados com base no IPCA-e (acrescido de 1% ao mês até dezembro de 2021) e na taxa Selic. Com a correção, a estimativa saltou para R$ 830 milhões, montante que o IBEC define como “déficit de caixa” do consórcio no período de março de 2013 a dezembro de 2024.
Contestação da Prefeitura
Por meio da Procuradoria-Geral do Município (PGM), a Prefeitura pediu a anulação do estudo, alegando que a perícia:
- Ignorou normas contábeis específicas;
- Utilizou metodologia inadequada de contabilidade gerencial;
- Não considerou compensações como subsídios tarifários, isenções tributárias e cortes de custos;
- Deixou de incluir o Livro Razão nas análises.
A PGM também apontou um suposto erro na referência à ABNT NBR 16775:2020, norma voltada para estruturas metálicas, que, segundo a defesa, não teria relação com o contrato de transporte.
Defesa do IBEC
Em resposta, o instituto classificou as críticas do Município como “tecnicamente equivocadas”. O IBEC afirmou que não desconsiderou compensações e que subsídios e benefícios fiscais foram devidamente computados, uma vez que constam nos demonstrativos contábeis analisados.
O laudo foi construído com base em balanços patrimoniais, demonstrações de resultado, fluxos de caixa, registros de passageiros, relatórios de subsídios e decisões do poder concedente, compondo, segundo o instituto, “um panorama confiável da operação”.
Sobre a ausência do Livro Razão, o IBEC afirmou que o documento não comprometeu as conclusões, já que foram utilizadas outras fontes de comprovação financeira. A perícia identificou desequilíbrios em 13 frentes de verificação, incluindo:
- Aplicação da fórmula de reajuste tarifário;
- Comparação de lucratividade projetada x realizada;
- Análise da Taxa Interna de Retorno (TIR) e do Valor Presente Líquido (VPL);
- Mensuração de receitas inauferidas, ou seja, valores que o consórcio deixou de arrecadar.
Metodologia reconhecida
O IBEC defendeu o uso da metodologia de receitas inauferidas, explicando que esse modelo mede as frustrações de receita provocadas pela diferença entre as tarifas contratuais previstas e as tarifas efetivamente praticadas. Segundo o instituto, essa abordagem é reconhecida internacionalmente e foi aplicada de acordo com os critérios definidos no contrato de concessão.
Quanto à norma citada pela PGM, o IBEC reconheceu que a menção à ABNT NBR 16775:2020 foi um “erro material”, esclarecendo que a metodologia utilizada seguiu, na verdade, a NBR 14653-4:2002 e a NBC TP 01 do Conselho Federal de Contabilidade.
Falta de documentos e impacto na análise
O instituto também atribuiu ao Município a não entrega de documentos essenciais, como dados de processos regulatórios e termos aditivos do contrato. De acordo com o IBEC, foram feitas quatro diligências judiciais solicitando essas informações, mas sem retorno integral da Prefeitura.
Para embasar sua posição, o instituto citou a Constituição Federal, a Lei de Licitações (Leis 8.666/1993 e 14.133/2021) e a Lei 9.784/1999, reforçando que as partes têm o dever de cooperar na produção de provas. Também foi mencionado um Termo de Ajustamento de Gestão firmado com o TCE-MS em 2020.
Próximos passos
O IBEC sustenta que o laudo é “tecnicamente coerente” e não precisa de ajustes. O documento foi assinado pela diretora técnica Érika Cristiane Oelke Rodrigues e pelo responsável técnico Fernando Vaz Guimarães Abrahão, que destacaram: “As conclusões permanecem válidas em todos os seus termos.”
Agora, o juiz Marcel Henry Batista de Arruda decidirá se acolhe o pedido da Prefeitura para anular a perícia e determinar uma nova análise ou se homologa o laudo apresentado pelo IBEC. Até lá, a discussão sobre valores e possíveis revisões contratuais continua em aberto.









