quinta, 12 setembro 2024

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26/07/2023 19:46

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Decisões controversas de ministros do STF geram preocupação quanto à personificação da democracia

A interpretação que vê os magistrados como símbolos da democracia gera debate sobre autoritarismo e fragilidade do Estado de Direito.

Atualizado: 27/07/2023 11:16

Redação

A busca e apreensão realizada na residência dos envolvidos no incidente com o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), no aeroporto internacional de Roma, destaca uma tendência que vem sendo insinuada em decisões judiciais recentes: de acordo com a atual interpretação da Corte, os magistrados personificam a democracia e o Estado Democrático de Direito.

De maneira geral, a nova interpretação sugere que membros do Supremo que estejam em locais públicos são vistos como "democracias ambulantes" - portanto, ofender um ministro seria considerado uma ofensa ao próprio regime democrático.

Essa observação foi proposta pelo advogado constitucionalista André Marsiglia, especialista em liberdade de expressão, por meio de um tuíte publicado na semana passada.
Ao analisar possíveis justificativas para a inclusão de investigados por supostas ofensas a um ministro em inquéritos sigilosos e tentar entender a base para a busca e apreensão determinada pela presidente do STF, Rosa Weber, Marsiglia afirmou: "Para isso, é necessário que comecemos a entender que os ministros do STF personificam em si o próprio Estado e a própria democracia. Ofendê-los seria, então, ofender o Estado democrático. Nesse contexto, vale a pena relembrar que o Estado é formado pelo povo, e o ministro é um servidor público".

A construção da autoimagem dos ministros do STF como personificações da democracia teve início em março de 2019, quando uma interpretação elástica do regimento interno do tribunal foi utilizada como pretexto para a abertura do polêmico inquérito das fake news - que chegou a ser classificado pelo ex-ministro Marco Aurélio Mello como o "inquérito do fim do mundo".

Nesse contexto, também foi iniciada uma investigação, a pedido do próprio STF, para apurar supostos atentados contra a honra dos ministros. A justificativa para a abertura desse inquérito baseou-se no conhecido artigo 43 do regimento interno do STF, que estabelece: "Art. 43. Ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal, o Presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro Ministro."

Por meio de uma interpretação abrangente dessa norma, algumas formas de críticas direcionadas à Corte e aos seus membros através das redes sociais passaram a ser equiparadas a infrações à lei "na sede ou dependência do tribunal", o que justificaria a abertura de inquéritos pelo próprio STF e, em alguns casos, a censura dos autores dessas críticas.

A abertura desses inquéritos permitiu que praticamente qualquer tipo de ofensa dirigida ao Supremo e seus magistrados fosse enquadrado neles. De acordo com essa interpretação, os ministros são considerados a própria sede da Corte, de modo que ofendê-los seria equivalente a atacar as dependências do tribunal.

Com a recente decisão de busca e apreensão no caso do aeroporto, essa interpretação se estendeu ainda mais, e os ministros passaram a ser vistos como personificações não apenas da sede do STF, mas também da própria democracia. De acordo com essa linha de pensamento, os responsáveis pela ofensa ao ministro Alexandre de Moraes teriam cometido uma abolição violenta do Estado Democrático de Direito.

Essa interpretação tem sido objeto de críticas por parte de especialistas em direito constitucional e democracia. Alguns alertam para o risco de uma deriva autoritária que ameaça a democracia e o Estado de Direito. Segundo eles, regimes autoritários têm historicamente utilizado interpretações abertas de tipos penais para enquadrar de maneira arbitrária as ações que desejam criminalizar, o que fragiliza a certeza das tipificações penais e coloca os cidadãos em uma situação de vulnerabilidade.

A noção de personificação da democracia em um ministro do Supremo tem sido vista por alguns como um reflexo do autoritarismo crescente no meio judicial. Há críticas de que isso poderia levar a uma confusão entre a pessoa do ministro e a figura do Estado de Direito, o que seria incompatível com os princípios dos Estados democráticos modernos. Para esses críticos, essa interpretação é anacrônica e não condizente com as bases de uma sociedade democrática.

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