Falarei hoje sobre um tema sensível à democracia e à civilização ocidental, que diz respeito ao conflito entre o direito à informação e à publicidade e os direitos individuais das pessoas envolvidas num caso penal.
Afinal, existiria um direito absoluto à informação? Existiria um direito absoluto à proteção à intimidade e imagem dos envolvidos?
A Constituição Federal consagra o direito à informação, vedando a censura (artigo 5°, IX, XIV, e artigo 220, § 1° e § 2°). Por outro lado, assegura o direito à inviolabilidade da imagem e da honra das pessoas, além do direito ao devido processo legal, que compreende o direito a um julgamento imparcial (artigo 5°, X).
Após a promulgação da Constituição de 1988, o Judiciário foi provocado, com alguma frequência, a decidir a respeito do conflito em torno desses postulados constitucionais tão importantes.
A propósito, no ano de 2004, uma pessoa convocada a depor perante a CPI da Pirataria ingressou com Mandado de Segurança no Supremo Tribunal Federal, visando impedir que a TV Câmara exibisse seu depoimento e que outros órgãos da imprensa privada tivessem acesso à sala onde seu depoimento seria colhido.
O Supremo concluiu não caracterizar abuso de exposição da imagem pessoal na mídia, a transmissão e a gravação de sessão em que se toma depoimento de indiciado, em Comissão Parlamentar de Inquérito, indeferindo a segurança (MS 24832 MC / DF).
Naquele mesmo ano, a exploração de um caso penal por um conhecido programa televisivo de crimes reais viria a definir o parâmetro jurisprudencial acerca dos limites da publicação de crimes antigos e a divulgação do nome dos seus personagens.
O Linha Direta levava ao ar a história de Aída Curi, vítima de um crime sexual com resultado morte ocorrido no Rio de Janeiro na década de 50. Os familiares da vítima consideraram que a publicação havia sido abusiva, não só pelo tempo decorrido, como também porque o programa havia imprimido forte carga sensacionalista ao drama vivenciado por Aída nos seus derradeiros momentos de vida.
A família não gostou de ver o sofrimento da vítima exposto daquela forma depois de tanto tempo do crime e ingressou com ação de indenização contra a Globo.
A ação de indenização tramitou por longos anos no Judiciário, que concluiu não ter havido abuso. Os autores da ação recorreram ao Supremo. Queriam que fosse reconhecido à vítima e a eles, familiares, o direito ao esquecimento.
Entretanto, o Supremo concluiu que “é incompatível com a Constituição Federal a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social – analógicos ou digitais”, mas ressalvou que “eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais, especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral, e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível” (RE 1010606, Tema 786).
Portanto, seja pela previsão constitucional que veda a censura e assegura o direito à informação, seja pelo que foi definido pelo Supremo no caso Aída Curi, tem-se permitido a ampla divulgação pela imprensa de crimes ainda em apuração e de crimes já apurados e julgados pelo Judiciário, ressalvadas as vias cíveis e criminais contra os responsáveis, no caso da divulgação ser considerada abusiva.
Ocorre que haverá grande margem de subjetividade do julgador na definição do que venha ou não a ser considerada uma publicação abusiva.
E, até que eventualmente venha a ser reconhecida a abusividade de determinada publicação pelo Poder Judiciário num caso concreto, as consequências poderão ter sido irreversíveis.
O caso Escola Base e o caso Eloá são bons exemplos disso, mas isso será tema para os próximos artigos desta coluna, que irá trazer à discussão os diversos aspectos jurídico-sociais de casos penais históricos e atuais.
Seja muito bem vindo leitor.
José Belga Assis Trad, pós graduado em Direito Penal Econômico pelo IBCCRIM-COIMBRA e em Direito Penal e Criminologia pela PUC-RS.